POETAPRETO

POETA
PRETO
OESTRANHODESCONHECIDOFAMILIAR

Autor: Vanderson Santos, Direção: Pedro Henrique, Encenação: Rosberg Adonay Iluminação: Jackson Freire

TRUPE VEJA BEM MEU BEM
O POETA PRETO

O Poeta Preto é a reverberação de um eco absurdo de uma inconsciência poética, frenética e traumatizada pelos preconceitos e pelo peso de ser.
Enquanto divaga, o poeta expõe sentimentos, medos, constatações, se encontrando e se perdendo em viagens cósmicas. A plateia, ao mesmo tempo salvadora e algoz, é impelida para o universo obscuro e onírico do poeta, sendo levada por ele até o interior da sua alma irrequieta. Alma essa fragmentada e una ao mesmo tempo, que reclama sua verdade aos berros, loucamente, com voz densa e olhar desafia(dor). 

Vanderson Santos


Ele é nós.


Concebido como uma junção de referências e o contato com experiências de vida, o Poeta é um personagem muito pessoal. Traz em si diversos gritos de catarse e da sua condição no mundo, mas ao mesmo tempo entoando os percalços do que mais comum existe entre os humanos.  A voz do Poeta é muito minha e dos meus amigos da equipe do espetáculo, surgida durante conversas e reflexões sobre a questão racial e ancestral. Algumas poesias que ele recita foram criadas a partir de minhas experiências pessoais. Mas, como pudemos observar após cada apresentação, as mais diversas vozes e experiências humanas encontram eco na sua voz ansiosa, urgente, densa, estridente e sensível. Além dele próprio, ele é nós.

Vanderson Santos




O Poeta Preto é um desabafo, um grito, uma enxurrada de emoções, palavras e silêncio. O texto de Vanderson Santos é contundente e direto, o que confere a dramaturgia a crueza necessária a este desabafo.
A plateia e sufocada gradativamente por estas verdades, sem espaços para réplicas. Um teatro negro que se ergue além de grilhões, das senzalas ou Casas Grandes, ecoa muito além, reverberando de forma ensurdecedora em nossas cabeças, impossível sair ileso desta experiência. O ator Rosbergg Alexsander dar vida e voz ao poeta, desconstruindo seus próprios estigmas, revisitando seus medos, suas angústias de homem preto como porta-voz de todos aqueles que foram, e são silenciados todos os dias. No limite da insatisfação, o poeta irrompe com o silêncio e vomita aos pés da plateia toda opressão e violência antes guardada, infligida e imposta ao povo preto ao longo da história. O resultado é um espetáculo que convida a plateia a conhecer e enxergar e ouvir… E calar! 

Pedro Henrique



A primeira inquietação que surgiu no processo de pesquisa foi a busca por ''o lado mais profundo do negro''. Criar essa provocação que possibilita infinitas discussões, sobre, como colocar esse corpo negro em cena. Referências que influenciam na construção do corpo, da voz, das narrativas de emponderamento, de se alto reconhecer enquanto negro Afro Descendente e Indígena, a busca ancestral, a construção social do homem negro em meio há uma sociedade racista. Influencias pessoais do Autor Vanderson Santos, do Diretor Pedro Henrique e do Ator Rosbergg Alexsander, transformar em arte, infinitas possibilidades de desabafos pessoais sobre a desigualdade racial vivida pelos realizadores do espetáculo, As principais formas de provocações causadas na plateia, estrategias de posicionamento negro. Um Deus, o gozo das palavras poéticas e grotescas, encarnados em um corpo estigmatizado e escravizado que, ao mesmo tempo, traz em si um pouco de tirania racista de que é vítima, irrompendo no clímax do espetáculo, de maneira violenta e mortífera, tomando o corpo do ator ou poeta. As principais referências artísticas surgem através da arte contemporânea de Basquiat, da música de Nana Vasconcelos, Nina Simone e Criolo, TEN-Teatro Experimental do Negro, Abdias Nascimento, a investigação da Cultura Africana, danças crenças, rituais Indígenas, o Movimento Negro no Brasil, Mariele Presente. A principal referência é o sentimento dos criadores sobre o empoderamento negro e humano colocado na obra, todas as referências estabelecidas para poetizar o ato. O foco direcionado na posição do negro empoderado que problematiza o seu lugar na sociedade.


        O estranho desconhecido familiar, e a transgressão da negritude em uma sociedade racista é declarada, o corpo expressa a alma e o vazio torna-se cheio de conceitos. À noite, o Poeta deixa questionamentos efervescentes e respostas emergentes de sutilezas, oferece o peito nú e a cara a tapa, um rosto negro que grita em meio à pré-concepção de divisão humana por cor, em uma inquietude que ecoa.

Rosberg Adonay





O Equador das Coisas: Espetáculo Poeta Preto e a humana voz-dor em demasia





Por Germano Xavier 


A noite entrava já em sua meia-idade quando aportamos na Rua da Má Fama, reduto artísticoboêmio da cidade de Caruaru, agreste meridional pernambucano. Havia fomes de todas as naturezas – o dia havia sido de correr-idas-vindas. Por isso direcionamos os passos até o bar Carvão, logo ali do outro lado. O poeta dos rebuliços literários caruaruenses Thiago Medeiros fazia o acolhimento das pessoas interessadas em pur'arte... Era noite de sentir, sabíamos. Palavras trocadas, rostos novos e velhos. Joana Dark em surgimentos. O álcool necessário, um carboidrato civil...


Pouco tempo depois, cruzamos a rua novamente. Endereço: Mercearia Ponta de Esquina. Aguardamos os preparativos. Fomos convidados a entrar. Fundos. Todos a postos. Som de terreiro, clima denso, atmosfera de propriedade artística-artesanal. Logo o texto do escritor Vanderson Santos começou a ganhar vida na pele’ncenação do visceral Rosbergg Alexsander, ator-mundo.

O local, intimista e bastante informal, anunciava em suas paredes o verbo onírico-infame da personagem-nascente: o Poeta Preto. A montagem teatral, dirigida por Pedro Henrique e com iluminação executada por Jackson Freire, burila o real esquizofrênico inconsciente-mais-queconsciente do poeta-homem senti-dor de tudo e abarca-dor de todos. O poeta, ali, representa a voz rouca de toda a plateia que, em um silêncio nada mudo, assiste à peça como quem é sufocada por sacos plásticos mortais fabricados por uma sociedade insana e insegura - tanto de si quanto de seu futuro. 


De chofre, luzes e sombras nos apresentam o espanto, o insólito, o desconhecido, a sutileza do grito interior, a morte em vida. Em um só nos tornamos, repentinamente. Pressentimos união, junção de forças. Se há esperança? Não sabemos. Cada um que prestigia a agonia do Poeta Preto se familiariza com suas próprias máculas, remorsos, repressões. Ou não ousa se insinuar. Aliás, a revolta é solitária, apesar de comunitária. Nada é forçado, ninguém é impelido. O coração dos homens é frágil aquém e além dos pulsos. Cada um sai do Poeta Preto armado com o sofrimento necessário, com a força da mudança nas mãos. 


Nada ali é medo. Tudo é desejo e arte. 

O Poeta Preto, esse ser negro-branco tão branco-negro, de tantas faces, vai aos poucos nos consumindo, tal qual um predador impiedoso, boca-voraz, monstro-deus insaciável. Cumpre a trupe Veja Bem Meu Bem o expressar poético da dúvida, o temporal da matéria-corpo encarnado no ator em cena. O experimento é de grossa envergadura e vai se formando em inacabamentos, como tem de ser. O palco acolhe um poeta-nós e seus rudimentos, suas sinceridades. O público vitaliza-se via racionalização-debate dos preconceitos e pelo peso de ser. Ele divaga entre o poético e o terrível, reclamando sua verdade doída e onírico-energética ao mesmo tempo. 

Há quem diga que o Poeta Preto é a maquiagem do difuso, o sorriso dos descompassos, a ironia dos desafetos, a fúria do impossível. Há quem possa imaginar que seja até a liberdade totalmente liberta. O homem livre-homem. E há quem nada suporte após. O ser-destempero, coração-pulso, arrebol, olhar de fragilidades incontestes. O espetáculo, de tão natural e promissor, enverga um verbo novo na garganta imunda do mundo: poetapretar. Poetapretar é, pois, o ato ou o efeito de ser quem se é. Um grande dilema contemporâneo, convenhamos. 

https://oequadordascoisas.blogspot.com/2018/07/espetaculo-poeta-preto-e-humana-voz-dor.html 

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